O Brasil é frequentemente retratado como um país diverso, miscigenado e acolhedor. No entanto, sob essa imagem construída, há uma estrutura profundamente desigual marcada pelo racismo, elemento central na formação e manutenção das disparidades sociais, econômicas e políticas do país. O racismo no Brasil não é apenas um comportamento individual ou um desvio moral — ele é estrutural, ou seja, está entranhado nas instituições, nas práticas cotidianas e nas formas como o poder é distribuído.
A história do Brasil está profundamente marcada pela escravidão. Por mais de 350 anos, milhões de pessoas negras foram escravizadas, tratadas como mercadoria e privadas de humanidade. A abolição da escravidão, em 1888, não foi acompanhada de políticas de inclusão para os libertos. Ao contrário, o Estado brasileiro optou por políticas de branqueamento populacional e marginalização da população negra,criminalizando sua cultura, negando-lhes acesso à terra, à educação, ao trabalho digno e à cidadania plena.
Esse passado escravocrata não foi superado; ele se atualizou por meio de mecanismos mais sutis, mas igualmente violentos. Como afirmou Lélia Gonzalez, “o racismo à brasileira opera de forma dissimulada, mascarada, ideologicamente construída sob o mito da democracia racial”. Essa falsa harmonia racial serviu como cortina de fumaça para a negação das desigualdades raciais, invisibilizando o sofrimento e as lutas da população negra.
Os indicadores sociais revelam a centralidade do racismo na produção das desigualdades no Brasil. A população negra é a mais afetada pela pobreza, pelo desempregoe pela falta de acesso a direitos básicos como educação, saúde, saneamento e moradia. Segundo dados do IBGE, mais de 70% da população em situação de extrema pobreza é negra. Além disso, pessoas negras têm menores salários, menor expectativa de vida e são maioria nas favelas e periferias urbanas.
Silvio Almeida, em sua obra ‘Racismo Estrutural’, afirma: “O racismo estrutura a sociedade brasileira. Ele organiza as instituições e molda as relações sociais, econômicas e políticas”. Essa estruturação significa que as desigualdades raciais não são acidentais, mas sistematicamente reproduzidas por mecanismos que beneficiam alguns e marginalizam outros.
Na educação, crianças negras enfrentam barreiras desde cedo, com taxas mais altas de evasão escolar e acesso limitado ao ensino superior, embora as políticas de ação afirmativa tenham promovido avanços importantes nas últimas décadas. No sistema de justiça, a seletividade penal também evidencia o viés racial, com a população negra sendo majoritariamente encarcerada e alvos preferenciais da letalidade policial.
Abdias do Nascimento, já apontava essa realidade há décadas: “O racismo no Brasil não é apenas um fenômeno social; é um projeto político de exclusão”.
Compreender o racismo como estruturante das desigualdades exige uma mudança de paradigma. Não se trata apenas de combater o preconceito individual, mas de transformar as estruturas sociais, econômicas e institucionais que o reproduzem. Isso implica pensar políticas públicas específicas, promover reparações históricas, fortalecer os movimentos negros e garantir a representatividade nos espaços de decisão.
Sueli Carneiro, afirma: “A desigualdade racial não será superada enquanto a branquitude continuar a exercer seus privilégios sem reconhecê-los e sem disposição para aboli-los”.
Lutar contra o racismo é, portanto, lutar por justiça social. Sem enfrentar o racismo de forma direta e intencional, qualquer tentativa de superar a desigualdade no Brasil estará fadada ao fracasso. O caminho é longo, mas necessário. E começa pelo reconhecimento: o racismo não é um problema das vítimas, mas de toda sociedade brasileira.
Aloisio Nascimento
Cientista político, Assistente Social, Ativista pelos direitos civis e sociais.
Formado em Serviço Social e Ciência Política, Aloisio também é ator e atualmente cursa Relações Internacionais. Possui especializações nas áreas de Ciências Sociais e Administração Pública, o que fortalece sua atuação em políticas públicas e na defesa de direitos.
Atualmente, exerce a presidência do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial do Paraná, contribuindo ativamente para o enfrentamento do racismo estrutural e a promoção da equidade racial no estado.