Na segunda quinzena do mês de março, a experiente dirigente cultural Marinei Vidolin recebeu a reportagem do Jornal de Colombo para conversar sobre seu terceiro período à frente do Departamento de Cultura colombense. Nome bem quisto no setor cultural local, Marinei falou sobre os desafios que a pandemia infligiu aos trabalhadores culturais, as dificuldades inerentes ao segmento e os projetos que vislumbra para o futuro de Colombo. “É necessário que o Departamento aja numa totalidade e enxergue o município como um todo e articule para que a questão cultural aconteça”, declarou Marinei durante a conversa de cerca de 40 minutos sobre o trabalho no departamento.

Jornal de Colombo – Você foi diretora do Departamento de Cultura por duas gestões, e teve outras experiências nestes últimos oito anos. Qual a sua visão do setor cultural de Colombo após esse período? 

Marinei Vidolin – Eu estive na Prefeitura entre 2005 e 2012. Eu entrei na Secretaria de Administração, fiquei um ano lá, e foi legal ter uma noção geral do município, dos andamentos, dos processos. E depois de um ano eu entrei na Cultura. Na ocasião, conseguimos seguir com várias frentes, com a realização do Festival de Teatro, Mostra de Dança, encontro com violeiros, criamos museu, biblioteca no Maracanã, fizemos um levantamento histórico, a coisa fluiu bastante naquele momento. Depois eu voltei para a iniciativa privada. Nos últimos anos, fiquei um ano no Senai Colombo e logo em seguida participei de um processo seletivo e entrei no Positivo, em que fiquei nos últimos sete anos. Retornei agora com a preocupação de entender a Cultura, pois se passaram oito anos e as coisas mudaram muito. O interessante é que eu encontrei a Cultura mais organizada como sociedade civil. Existe um diálogo entre a classe artística, o que é excelente, pois une forças. Colombo tem uma diversidade cultural gigantesca, temos vários segmentos de cultura dentro do município e todos precisam ter seu espaço. É necessário ter um levantamento do que nós temos hoje, onde estão essas pessoas, fazendo o quê e a partir disso promover uma articulação para ver como é que a gente traz essa diversidade para a população de Colombo. Uma coisa que acontece muito é o artista de Colombo ir para fora. Precisamos criar espaço para que esse artista possa se desenvolver e viver financeiramente aqui no município também. A economia criativa é responsável por uma boa parte do PIB (Produto Interno Bruto) no Brasil e no Mundo. Em torno de 4% do PIB brasileiro. Não estamos falando só de quem está em cima do palco. Existe toda uma cadeia produtiva por trás disso. É uma gama enorme de pessoas e às vezes a família toda trabalha com produção artística e a família toda está desempregada. A preocupação no Departamento não é só em fazer eventos, promover atividades, mas como fazer a gestão de um grupo que neste momento está sofrendo. 

JC – O que já foi possível promover nesses primeiros três meses de trabalho?

MV – Nós começamos um cadastro, em que existe um link na página da Prefeitura e o artista pode clicar e dizer quem ele é, o que ele está fazendo e com quantas pessoas ele trabalha. Também existe um outro link que disponibilizamos para o pessoal se inscrever nas oficinas virtuais que o Departamento oferece gratuitamente. Paralelo a isso, nós estamos começando a fazer um inventário, com o objetivo de lá no final ter um inventário cultural. É um site com o histórico dos bairros. Então começamos com o Concurso de Fotografia, para termos fotos dos bairros. Nos próximos meses vamos liberar um link em que a população poderá enviar relatos pessoais sobre o bairro. Por exemplo, a escola vai poder contar a história da escola. A razão do nome, quantos professores passou, quantos diretores, o que evoluiu até então. O grupo de dança vai poder falar sobre si. As igrejas, templos, terreiros, vão poder falar sobre as festas típicas, os grupos que tem dentro da instituição, como grupos de teatro, música, capoeira, de pesquisa. Aí você começa a enxergar o que tem naquele bairro, quais são suas características. Com esses relatos, a intenção é poder se aproximar mais dessas iniciativas e salvaguardar os relatos históricos. Cada vez que falece uma pessoa idosa, por exemplo, você perde a história, perde a identidade das coisas. Como nós não temos braço o suficiente para fazer essa entrevista direta, vamos colocar essa possibilidade nas mãos das famílias, fazer um contato, para que a pessoa ouça um familiar mais velho e grave isso, podendo mandar por vídeo ou texto o relato dessa pessoa. Tem pessoas que vieram para cá há 80, 90 anos. O quanto eles já viram da cidade? Quantos relatos podemos perder se não tivermos essa entrada? A ideia é que lá no final possamos ter um site com fotos e histórias dos bairros, e que o usuário possa navegar por filtros, como por escolas, por religiões, etc. Mas isso vai depender muito das pessoas da cidade. 

JC – Em uma situação normal já não é fácil gerir a Cultura. É uma das pastas historicamente com menos recursos. E em um momento de pandemia fica mais difícil. Como você vê esse desafio de fazer ainda mais com ainda menos? 

MV – O legal da Cultura é que as pessoas são criativas e participativas. No entanto, é necessário pagar o cachê para a pessoa que faz. Se eu fizer uma pesquisa, por exemplo, não vai ser só por amor à arte. Nós temos que fazer as pessoas entenderem que o artista é um trabalhador. Ele estudou, direciona energia. Então, como não temos o presencial, não temos essa questão de investimento direto em algumas coisas que normalmente teríamos. Por exemplo, vai fazer um festival de teatro, é necessária uma iluminação, um som. O que eu penso, nesse momento, é direcionar para a pesquisa. Mas claro, tudo depende de legislação. Temos a Lei de Cultura, o Fundo, o Conselho, mas precisamos de legislações específicas que nos ajude a financiar as ações.Se eu quiser contratar um profissional para fazer uma pesquisa, como eu pago isso? Então é preciso legislar, organizar. As outras iniciativas, por enquanto, estão sendo mesmo sem custo. As oficinas, por exemplo, estão sendo ministradas pelos servidores da Cultura. Estamos usando a prata da casa para fazer isso. A questão financeira e orçamentária ainda está sendo estruturada. 

JC – Você foi eleita presidente do Fórum de Gestão Cultural de Curitiba, Região Metropolitana e Litoral. Qual é o papel desta entidade?

MV – São encontros, normalmente mensais, com os gestores de Cultura de cada uma das cidades que fazem parte do Fórum. Neste fórum reunimos os responsáveis e discutimos Cultura. O que está funcionando em uma cidade? Quais são as dificuldades de uma outra cidade? É uma troca de experiências para o fortalecimento da área. O objetivo do Fórum é entender essas cidades, fortalecer o que está dando certo, mostrando isso aos demais colegas, e levar as demandas destas cidades ao âmbito estadual. Ao invés do secretário de Estado conversar com cada um dos 399 municípios do Paraná, ele vai falar com os representantes da Região. Basicamente é isso: reunir os gestores de Cultura, discutir o que tem em cada cidade, fortalecer o que dá certo e levar o que precisa para os âmbitos estadual e, se necessário, federal.

JC – Você é a primeira mulher a presidir este Fórum. Qual a importância dessa representatividade?

MV – Quando evoluímos nesse sentido, de assumir uma mulher em uma função que era masculina, mostramos que temos as mesmas potencialidades. A gente vem de um mundo muito machista, racista, um mundo em que as minorias são oprimidas. Quando você assume uma posição que normalmente era masculina, você mostra para outras mulheres que é possível. Para aquele grupo você traz uma visão talvez um pouco diferente do que estávamos acostumados. Eu espero poder colaborar com uma visão mais humana e realmente ser um exemplo da força feminina. Estou bem feliz de estar colaborando.

JC – Em 2020, tivemos a questão da Lei Aldir Blanc, que acabou viabilizando alguns projetos, graças à existência do Conselho Municipal de Cultura e da Lei Municipal de Cultura. Qual a importância de ter essa estruturação institucional para poder fazer as iniciativas que os gestores entendem como necessárias?

MV – Ter essa estruturação nos abre portas para trazer recursos e nos abre possibilidade de novos fomentos dentro da cidade. Costumamos dizer que é o CPF: Conselho, Plano e Fundo. Ainda estamos construindo o Plano de Cultura, mas ter essa estruturação te dá base para buscar recursos. A Lei Aldir Blanc trouxe um socorro para os artistas, houve uma movimentação bem importante, mas nós não empenhamos todo o dinheiro. Existe uma pressão dos gestores de cultura do Brasil inteiro, para que o dinheiro que não foi empenhado, possa ser usado em novos projetos. Nós ainda não recebemos a orientação do Governo Federal de como vai ser, o dinheiro está guardado. 

JC – Mas por qual razão sobrou esse recurso? Faltaram projetos apresentados? 

MV – Sim. Existia, dentro do edital, a possibilidade de se inscrever por trajetória, comprovando que tinha dois anos de atividade artística dentro do município e também por fomento. Muitos dos artistas não tinham histórico dessa trajetória. Com essa iniciativa, trouxe também aos artistas a necessidade de registrar esse histórico. Era preciso esse registro, era preciso oferecer um produto – que inclusive devemos fazer em breve o Festival Aldir Blanc, que terá mais de 40 produtos culturais da cidade. As pessoas precisavam ter uma documentação mínima, como certidões negativas. Foram feitas várias reuniões, lives, explicando isso para as pessoas. Mas como esse dinheiro nunca tinha chegado na mão da classe artística, muita gente não acreditou que seria possível. Não tivemos procura suficiente e também tivemos algumas pessoas que procuraram, mas não conseguiram porque não tiveram a documentação necessária. Se abrir novamente, com essa experiência do ano passado, conseguiremos certamente direcionar melhor e aproveitar mais essa verba. 

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