No início do mês de fevereiro, o pesquisador e ativista Adegmar José da Silva, popularmente conhecido como Candiero, publicou o artigo intitulado História e Cultura Afro-Colombense. O trabalho tem como principal objetivo questionar e discutir o chamado ‘consenso de invisibilidade’, que tornou institucional e naturalizado o apagamento de personagens negros na história, e mais especificamente na história de Colombo. No documento, Candiero inicia contando sua própria vida no município, onde mora no bairro Jardim Osasco desde a década de 70, para depois revelar informações que são surpreendentes a muitos colombenses: a história de Colombo começa muito antes da chegada dos italianos, tanto com a presença de povos indígenas quanto de africanos nas regiões do Atuba, Palmital, Capivari e Bacaetava

E diferente do senso comum, que coloca os negros daquela época apenas como escravos, este povo vivia, produzia, comercializava e tinha cultura própria e viva. “Se você for avaliar a história do Paraná, o afroparanaense é protagonista, pois contribui fortemente não só com força física, mas com inteligência e tecnologia. Nós temos que romper com esse consenso da invisibilidade”, determina Candiero, que é incisivo em discutir o que tem de ser discutido. “As elites, as famílias que estão há 300 anos no poder no Paraná não querem falar disso, porque é jogar contra o patrimônio deles. A riqueza deles foi construída em cima da força e da inteligência do negro e do índigena. Mas há esse consenso de não contar essa história. Essa presença foi importante em todas as cidades centenárias do Paraná. Precisamos incluir mais pessoas nessa história, porque fazer isso é uma certeza de termos um futuro com mais isonomia, mais paz”, reforça o pesquisador, durante entrevista realizada em sua residência, um verdadeiro templo de pesquisa da história negra

A leitura do artigo é extremamente leve e causa uma imersão a diferentes épocas. Você se sente parte da Colombo antiga ou da Colombo que viveu o boom populacional a partir dos anos 80. “Buscamos um formato que todos pudessem compreender. Que pudessem entrar nesse tema de difícil tradução de maneira leve. De te colocar dentro desse universo. Essa forma de escrita a gente chama de escrita negro-brasileira”, explicou. “Você já se cortou e não sentiu? Sabe quando você passa a mão em um mato, você foi cortado e nem vê que foi cortado? O texto é uma navalha. Quando você vê, já entrou. A gente prima pela honestidade intelectual. Não tem mentira, é uma coisa muito natural, simples, mas é de verdade”, acrescentou.  “Isso é o Candiero ensinando. Desde sempre a gente discute coisas complexas de um jeito leve, com música, história, causos, ditos”, completa Melissa Reinehr, companheira do ativista na vida e nas muitas pesquisas feitas diariamente

O artigo, de 72 páginas, pode ser acessado gratuitamente no site do Centro Cultural Humaitá

Lei Aldir Blanc

A produção do artigo foi custeada pela Lei Aldir Blanc, criada no país em 2020 com o objetivo de amparar os trabalhadores do setor cultural durante a pandemia. “Estamos dando um salto de qualidade. Este é um primeiro artigo falando disso. Fico feliz que veio com recurso público. Vejo que Colombo está crescendo e daqui a pouco vai ter também uma Secretaria de Cultura forte por conta da pluralidade étnica e cultural que nós temos nessa cidade”, pontuou Candiero. No entanto, o pesquisador ressalta a histórica falta de investimento público em Cultura, e em especial em manifestações populares. “A gente nunca teve recurso. O recurso reduzido que tem para a Cultura geralmente é direcionado para uma cultura específica. Não me lembro de ter um edital em Colombo que contemplasse, por exemplo, a cultura popular, não vou nem falar em cultura negra”. 

Outra questão levantada é a necessidade de cumprimento da Lei 12.288/10 (Estatuto da Igualdade Racial). “Se o município cumprisse a lei, Colombo teria um conselho municipal e um órgão gestor de promoção da igualdade para fazer algumas adequações necessárias. São pequenos ajustes históricos que estão acontecendo em todo o Brasil e nos países onde houve a diáspora africana. Em especial durante a Década dos afrodescendentes proposta pela ONU (2015-2024), cujo tema é Justiça, Reconhecimento, Desenvolvimento e enfrentamento às discriminações múltiplas e agravadas”.

Quebrando a invisibilidade

História e Cultura Afro-Colombense é uma produção que registra uma parte importante da história local, e alerta para os problemas do apagamento sistemático da cultura de uma população que representa cerca de 31% dos colombenses. Para Candiero, quebrar essa invisibilidade tem vários caminhos, mas sua escolha foi a educação. “Nós somos fazedores de cultura e estamos nos dedicando nessa questão porque é aí que vai acontecer a transformação. Eu vejo que as coisas vão se complementando. Primeira coisa é dar visibilidade. Quando a Prefeitura deu visibilidade ao artigo, por exemplo, chegou ao Jornal e está chegando em outras pessoas. Por mais que eu coloque no Facebook, no WhatsApp, fica na bolha. Por mais que leiam, fica naquela bolha e precisa sair. A consciência se faz sempre, não fazendo algo hoje e outra coisa só no 20 de novembro (Dia da Consciência Negra)”, destaca. 

O pesquisador também ressalta a importância de que a postura inclusiva deve vir de quem está no poder. “É preciso ter formação. Todo o gabinete da Prefeitura, todas as secretarias deveriam receber uma formação. A partir disso, esses dirigentes, um pouco mais sensíveis, quando forem fazer alguma política, não vão fazer com um recorte étnico único e específico, e iriam levar em consideração essa pluralidade”, afirma.

Perfil

Resumir Candiero apenas ao título de pesquisador e ativista foi a solução simplista para categorizar a personagem da reportagem. Adegmar José da Silva também é compositor, batuqueiro, capoeirista, fundou o Centro Cultural Humaita – Centro de Estudo e Pesquisa da Arte e Cultura Afrobrasileira; foi Assessor Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial de Curitiba; Conselheiro Nacional de Cultura; Conselheiro Nacional de Promoção da Igualdade; membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra no Paraná; membro do Centro de Letras e da Feira do Poeta; e membro do Fórum Permanente de Educação e Relações Etnicoraciais do Paraná. Outro trabalho de destaque, que contou com a contribuição de Melissa e de outros 19 pesquisadores, foi o Caderno Pedagógico Oralidades Afroparanaenses, elaborado de forma independente e direcionado para distribuição em escolas paranaenses.

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